Ela não sabia de onde havia saído aquilo, aquele impulso. Apenas havia acontecido como um vaso acidentalmente cai ao chão, espatifando-se em milhões de pedacinhos e nunca voltando a ser o mesmo, ainda que houvesse uma tentativa de ser colado.
Havia sido assim com ela e ela nunca voltaria a ser a mesma.
Para ela, um beijo nunca tinha sido apenas um beijo. Sempre foi sinal de um contato extremo, onde duas almas que se encontram e descobrem uma ligação necessitam se tocar, se descobrir e dar um sinal de um afeto maior do que qualquer outro sinal, uma forma de reconhecimento. Um beijo era um modo de se conectar, de demonstrar um carinho e uma afeição que estão além das palavras, pois cada uma que pode ser dita está muito aquém do seu significado real.
Ela já havia se enganado algumas vezes, onde tentara colocar palavras em um beijo para pessoas que não entendiam seu significado, estavam longe dela, longe de sua expressão e acontecia que não havia aquela mágica - nada de fogos de artifício, sininhos tilintando, nem fadas jogando pó mágico ao redor. Era mais realista - de um sentimento crescendo aos poucos dentro de si. Ao invés disso, apenas não se sentia nada, nem o mínimo de frio na barriga, daqueles quando se tropeça na calçada, a não ser um arrependimento pela grosseria feita.
Sim, ela sentia que era uma grosseria feita com a pessoa e principalmente com ela mesma, por não entender o que sentia e por levar para frente algo que ela devia saber não ser possível acontecer, pois não ocorria o que as pessoas costumavam chamar de "química". Aquela não era a definição certeira para o que deveria acontecer no momento de um beijo, que envolvia muito mais coisas além de apenas elementos químicos. Sentimentos não poderiam ser comparados a elementos químicos, eram complexidades diferentes, quase opostas.
O que havia acontecido dessa vez não tinha sido um erro daqueles que costumava cometer por julgar conhecer os sentimentos muito cedo e, de certa forma não havia o peso na boca do estômago, quase como um soco, do arrependimento. Mas ela sabia que tudo estava fadado a ruir, ela tinha plena consciência de que havia conhecido uma alma semelhante a sua. Haviam os mesmos interesses, as mesmas características, objetivos, sonhos, sorrisos, gostos. Ela sabia que havia também algo essencial para aqueles casos: discordância. E mais do que apenas discordância, respeito no momento em que elas surgissem.
Sabia como o beijo seria antes mesmo de selar os lábios nos dele, sabia que seriam beijos calmos, tranquilos, sem pressa de nada, sem acelerar o destino. Apenas aceitando o momento, sentindo o que era para ser sentido.
Tudo confirmou-se naquele momento, mas foi ainda melhor do que ela imaginara, foi mais além de tudo o que ela já havia sentido em vida. Naquele momento, sentiu uma certeza, sentiu como se tudo o que é intangível pudesse ser concreto e tudo o que é palpável pudesse se desfazer em poeira com o mais simples pensamento, estava tudo certo, mas surpreendentemente errado.
Ela sabia que aquela seria a sua alma, aquela perfeita para tudo o que ela havia sonhado enquanto tinha seus olhos abertos, mas também tinha a certeza de que quando abrisse seus olhos e desencostasse suas mãos de seu ombro, uma distância enorme se colocaria entre eles, forçando-os com mãos de ferro a separarem-se por um longo tempo, por motivos que talvez nem mesmo o tempo conseguiria explicar. Sabia que ele estaria partindo nos próximos segundos, embarcando em algo que ela não poderia mensurar.
Naquele turbilhão de sentimentos, com tudo aquilo chacoalhando dentro dela, a pergunta que tinha feito desde a primeira vez que se encontraram e que trocaram a primeira palavra ecoava em sua mente "Será que conseguirei encontrá-lo?"