quinta-feira, 30 de julho de 2009

Coração incomum

Lovers_

Não havia aquele frio na barriga tão típico da situação,  como a sensação de susto ao pular o último degrau da escada sem querer, muito menos havia borboletas que esvoaçavam pelo seu estômago. Ela não gaguejava ao vê-lo e nem perdia a respiração. Ela não via nada de mau nisso.
Ela sempre achou que era diferente – pelo menos um pouco – das garotas ao redor: todas sempre sonhavam com o príncipe encantado em seu alazão reluzente, que lhes chegava com um enorme buquê de rosas vermelhas numa das mãos (chocolate não, porque engorda), e uma aliança de compromisso em outra.
Para ela, ele podia vir como fosse, não lhe importava tanto assim: podia ser um esbarrão na rua, ou uma informação ali na esquina, ele poderia lhe oferecer um doce qualquer e ela lhe sorriria como criança e aceitaria sem pensar duas vezes e a aliança poderia muito bem lhe passar batido, pois o que lhe importava mesmo (e sempre havia sido assim com ela) era o compromisso que ele teria com ela de fato e não apenas um adorno que tão comumente é usado só para fazer barulho, para causar impressões. Ele poderia insistir que era para ela lembrar-se dele, mas ela lhe replicaria com suavidade (e as vezes até com impaciência) que todos os dias ela acordava e se lembrava dele e que não precisava de nenhuma fita amarrada no dedo para que se lembrasse.
Ela era considerada bem da esquisita, sabia. Sabia que ele também tinha essa opinião, mas estava pouco preocupada, pois sabia que ele iria gostar até mesmo das manias mais absurdas, e até poderia vir a admirá-las. E ignoraria com afinco os olhares do resto do mundo que estranharia aquela garota que namorava um amigo, porque não lhe importava: ela sabia desde muito tempo atrás que nada com ela seria comum. Tanto mais seu amor.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Sobre continuar respirando

sadness16

Não tinha mais jeito, foi o que deu pra pensar na hora em que ela se viu na rua escura, apenas as pedrinhas do asfalto antigo brilhavam com a luz fraca da lua. Por que estava ali de novo, andando no escuro, no sereno gelado que arrepiava seus pelos? Por que se sujeitava tanto?
Já tinha feito de tudo e se expunha cada dia mais: Dormira com a janela aberta, as cortinas balançando furiosamente ao vento de uma tempestade que se aproximava e que nunca chegou até aquele ponto da cidade. Passara a noite com a porta destrancada, acendeu velas e dormiu no chão com elas ao redor, se alguma delas caísse e queimasse tudo, teria sido acidentalmente. Até o gás ela já tentara deixar ligado, fechada na cozinha, mas nada daquilo havia adiantado, porque sobraram pedaços dela pra contar história, pra se lembrarem de todas as tentativas desesperadas de cessar a dor, o incômodo e as lágrimas teimosas que insistiam em voltar a  cair por seu rosto.
Havia momentos em que ela simplesmente se entregava à loucura, ouvindo o relógio se movimentar a cada segundo. Incessantemente, até a escuridão se sobressair e ela cair no sono.
Toda aquela loucura, todas aquelas tentativas infundadas e desesperadas, todos os objetos atirados contra a parede, todos os gritos dados com fúria, aquilo tudo tinha um nome, um motivo, uma história lembrada. Um nome que ela as vezes não se lembrava, um propósito perdido há muito tempo, em alguma tarde de primavera afundada no passado.
E ela sentia-se perdida, cada dia mais, pois não conseguia voltar a ser o que era, havia perdido muito de sua integridade. Não conseguia voltar às linhas de pensamento que tinha, pois perdera seus ideais, apertando-os como areia em seus dedos. Também não conseguia sorrir como antigamente, pois tinha certeza absoluta de que seus sorrisos mais sinceros haviam sido roubados dela durante aquela história, assim como os seus olhos brilhantes e sua vivacidade natural. Ela esperava, do fundo de seu coração, de que aquelas coisas fossem bem guardadas, de que a sua risada alta tivesse causado algum impacto no meio da noite estrelada. Só aquilo lhe daria conforto, ter conhecimento de alguma daquelas pequenas coisas poderia mudar tudo, e ela não sabia.
Não sabia, mas mesmo assim continuava tentando encontrar algum sentido naquelas vielas escuras e cheias de buracos e de desolação, grande parte ela sabia pertencer a ela mesma, pois havia estado ali tantas vezes exposta ao perigo e entregando seus suspiros ao vento que já tinha perdido as contas.
E pensara que morreria tantas vezes durante aquelas noites entregue ao seu próprio destino, fosse por uma casualidade cuidadosamente armada, fosse por pura exposição intencional. Balançou a cabeça. Apesar de ter se entregado ela continuava ali - aquilo devia ter algum sentido, meu Deus! - caminhando em cima de seus saltos, indo pra frente, mas sem rumo algum e respirando lentamente.

ps.O texto NÃO é auto biográfico. :*