quarta-feira, 11 de julho de 2012

Cetim e lágrimas

Ao longe ela via a Estrela da Cobra piscando, como se quisesse lhe passar alguma mensagem oculta. Mas ela não a entendia, não sabia interpretar os sinais que os céus davam. Apoiou os cotovelos no largo parapeito da janela depois de abrir mais um pouco da janela, pois sentiu que uma brisa daquelas que tanto gostava iria se levantar em breve.
O ar era leve, porém seco e com alguma coisa adocicada. Não sabia definir se era o sabor ou o cheiro. O que também não sabia era explicar porque aquilo lembrou-a de sua casa. A casa que tanto gostou e ao mesmo tempo odiou nos tempos em que lá viveu.
A árvore com o balanço feito por seu pai estava desenhada no fundo de sua retina e nada poderia tirar aquilo de dentro dela. Nem mesmo todas as marcas feitas pelos maus tratos de sua tia após a morte de seus pais, nem mesmo o seu coração quebrado, nem mesmo a fortuna que tinha herdado dos pais poderia comprar aquela doce memória de sua infância.
Remexeu-se em seu vestido de sedas claras e leves, fazendo o tecido esvoaçar com a brisa. Ainda não havia tirado as roupas que usara durante o dia. Ainda precisava de um banho bem quente, mas estava distraída demais para essas coisas.


O dia tinha se passado lentamente. Mais como uma tartaruga da ilha, a mais lenta das tartarugas que alguém já conheceu. Passou o dia envolta em diferentes cores de cetim, faixas de seda, refinados tipos de renda que   suas unhas quase rasgaram sem querer.
Tudo aquilo era lindo, os tons de tecidos, sapatos, pigmentos... Mas nem mesmo aquilo tinha conseguido tomar sua atenção por mais de três minutos completos e tudo isso porque sua cabeça não parava de trabalhar.
Ela nunca foi de ligar muito para o passado, para lembranças. Para ela, eram pegadas deixadas na areia, que cedo ou tarde seriam apagadas pela imensidão do mar. Mas não naquele dia. Naquele momento, as pegadas haviam sido deixadas em lava vulcânica, resfriadas em água quase congelada e deixadas em formato de uma gigante rocha à frente de seus olhos.
Tudo por causa daquele rosto misterioso que havia tanto conhecido e amado. Aqueles olhos profundos e severos que só se abriam em sorriso para ela. Tudo isso por causa do amor.
Amara aquele homem como se ele fosse o último homem a pisar nas praias brancas, como se ele fosse o único. Deu todo o seu coração, toda a sua alma para ele. E poderia dizer que ele havia feito o mesmo por ela, se não mais. Os dois juntos brilhavam mais do que a Cobra. Reluziam mais do que a estrela que apontava para o norte, salvando marinheiros e andarilhos perdidos no deserto, os sorrisos não alcançavam as orelhas porque era fisicamente impossível.
Brilharam e brilharam, mas incrivelmente todo aquele brilho não foi suficiente para apaziguar todos os sentimentos que sentiam. E quando existe muito amor, existem também outros sentimentos que nem sempre são agradáveis. Depois de tudo que haviam vivido, as brigas entre os dois tornaram-se frequentes e cada vez mais barulhentas, ecoando em cada corredor da casa enorme e cheia de empregados que deveria um dia ser o lar dos dois.

Acharam por bem não se verem mais, acharam por bem se afastarem e não dirigirem a palavra um para o outro. Ele havia ido para além do deserto e da praia branca. Seus corações estavam mais distantes do que isso.
Ela poderia ter sido a rainha daquele rei encantador. Os dois poderiam reinar naquele castelo e serem mais amados do que jamais foram, pois eram bons.
Mas a sorte havia virado as costas para o amor e tudo havia se desfeito em cinzas.



Ela tomou consciência de que estava derramando lágrimas. Pequenas e traiçoeiras lágrimas que denunciavam a falta que ele lhe fazia. Os pontos brilhantes no parapeito da grande janela agora refletiam a lua.
Em seu coração, ela sabia que os dois poderiam ter mudado aquilo, sabia que aquela história poderia ter tido um final muito mais digno de livros e canções. Porém, um era aço e o outro também e no final das contas, afastaram-se para não desculparem-se.

Escondia seu coração muito bem, seus sentimentos ficavam guardados em um baú no mais profundo escuro de seu ser, mas ali, vendo as estrelas e sozinha, entregou-se às lágrimas recostando sua cabeça em uma pequena almofada de cetim.
Por que tudo tinha de ser daquele jeito? Arrependia-se por não ter lutado e por não ter tido a coragem de dizer o que queria dizer logo no início.
Agora perdida, desorientada e queria sua casa, queria seu amor. Mas seus corações estavam tão distantes que dificilmente seu amor a encontraria novamente.
As lágrimas não caíam mais de seus olhos, pois já havia perdido a noção do tempo em que passara chorando na janela. 
Percebeu então, olhando para o mar, que a alvorada já despontava e ficou então assustada. As horas haviam passado mais do que imaginara e muitas coisas haviam de ser feitas no dia que se seguia.
Enquanto levantava-se dolorosamente de onde estava sentada, seus olhos pousaram na estrada da praia, por onde um cavaleiro solitário havia ido embora uma certa vez e, desde então não era mais usada.
Naquela estrada em desuso por muito tempo, um cavaleiro solitário agora voltava e a cada passo de seu cavalo a alvorada ficava mais brilhante e a escuridão da noite se desfazia um pouco mais.



Talvez seus corações não estivessem tão distantes assim, afinal...